quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Índios


Os Guajajára são um dos povos indígenas mais numerosos do Brasil. Habitam 11 Terras Indígenas na margem oriental da Amazônia, todas situadas no Maranhão. Sua história de mais de 380 anos de contato foi marcada tanto por aproximações com os brancos como por recusas totais, submissões, revoltas e grandes tragédias. A revolta de 1901 contra os missionários capuchinhos teve como resposta a última "guerra contra os índios" na história do Brasil.

Nome. Além de Guajajára, eles têm uma outra autodenominação mais abrangente, Tenetehára, que inclui também os Tembé. Guajajára significa "donos do cocar" e Tenetehára, "somos os seres humanos verdadeiros". Às vezes, os Guajajára traduzem Tenetehára por "índio", excluindo desta categoria os grupos Jê, como os Canela, que são chamados àwà ("selvagens, bravos"). Não se conhece com certeza a origem do nome Guajajára, mas provavelmente foi dado aos Tenetehára pelos Tupinambá. Tanto entre os próprios índios quanto na literatura científica, atualmente a denominação Guajajára é mais usada do que Tenetehára.

Língua
A língua Guajajára pertence à família tupi-guarani, sendo as línguas mais próximas o Asurini (do Tocantins), o Avá (Canoeiro), o Parakanã, o Suruí (do Pará), o Tapirapé e o Tembé, que lhe é muito semelhante. Os Guajajára chamam sua língua de ze'egete ("a fala boa"). Ela é subdividida pelos lingüistas em quatro dialetos que são mutuamente inteligíveis, sem maiores complicações. Nas aldeias, o Guajajára é falado como primeira língua, enquanto o português tem a função de língua franca, que é entendida pela maioria. A situação sociolingüística dos Guajajára que moram nas cidades é desconhecida.

Localização
Todas as 11 Terras Indígenas habitadas pelos Guajajára estão situadas no centro do Maranhão, nas regiões dos rios Pindaré, Grajaú, Mearim e Zutiua. São cobertas pelas florestas altas da Amazônia e por matas de cerradão, mais baixas, sendo estas matas de transição entre as florestas amazônicas e os cerrados. Os Guajajára nunca habitaram os cerrados vizinhos, região dos povos jê. Sua região mais antiga, historicamente conhecida, foi o médio rio Pindaré.
A partir do final do século XVIII e início do seguinte, expandiram seu território para as regiões dos rios Grajaú e Mearim, onde se estabeleceram pouco tempo antes da chegada dos brancos, disputando com vários grupos timbira as áreas de caça. Por volta de 1850, uma parte dos Tenetehára migrou para o norte e mais tarde passou a ser chamada de Tembé pelos regionais.

As Terras Indígenas atuais, todas homologadas e registradas, menos uma, a Terra Indígena Krikatí, são as seguintes:

Terra indígena Município(s) Extensão (ha)
Araribóia Amarante, Grajaú, Santa Luzia 413.288
Bacurizinho Grajaú 82.432
Cana-Brava Barra do Corda, Grajaú 137.329
Caru Bom Jardim 172.667
Governador Amarante 41.644
Krikatí Amarante, Montes Altos, Sítio Novo 146.000
Lagoa Comprida Barra do Corda 13.198
Morro Branco Grajaú 49
Rio Pindaré Bom Jardim, Monção 15.002
Rodeador Barra do Corda 2.319
Urucu-Juruá Grajaú 12.697


As Terras Indígenas Araribóia, Bacurizinho e Cana-Brava abrigam cerca de 85% da população guajajára. Em várias terras, eles não são os únicos habitantes indígenas: há grupos dos Guajá em Araribóia e Caru, dos Tabajara em Governador e Rio Pindaré e dos Guarani, Krenyê e Kokuiregatejê em Rio Pindaré. Em duas Terras Indígenas os Guajajara são minoria: em Governador, dos Gavião-Pukobyê, onde representam cerca de 36% dos habitantes, e em Krikatí, onde há uma comunidade cujos moradores não falam mais a língua indígena. Na Terra Indígena Geralda/Toco Preto, dos Kokuiregatejê, antigamente registrada como terra dos Guajajara, só morava um único Guajajara em 2000.

Demografia
O número exato dos Guajajára é desconhecido, pois as estatísticas da Funai são incompletas, ignorando várias aldeias. Segundo os dados da Funai, completados pelos do autor, existiam pelo menos 13.100 em 2000 apenas nas terras indígenas. O número dos Guajajara que vivem em cidades como São Luís, Barra do Corda, Grajaú, Imperatriz ou Amarante, no entanto, é desconhecido e nem há estimativas sobre ele.
Mércio Gomes estimou sua população, com base em cálculos comparativos, em 3.000 para a época dos primeiros contatos com os brancos. Em 1942 Charles Wagley e Eduardo Galvão a estimaram em 2.000 indivíduos. Depois Gomes calculou 2.500, 3.000 e 4.300 para os anos de 1942, 1953 e 1975 respectivamente. Faltam números exatos do crescimento atual, que é na faixa de 2,5% a 3,0% ao ano. Também faltam estatísticas sobre as taxas atuais de mortalidade infantil e de adultos, que não parecem ser menores que as da população rural regional, que ainda são altas.
Não há estatísticas referentes às uniões interétnicas e nem a seus descendentes. A forma mais comum destes casamentos não é, como se podia esperar, entre homens brancos e mulheres indígenas, mas o oposto, como são os homens que emigram para as cidades com maior freqüência, e são as mulheres solteiras que representam um tipo de "capital social" para as famílias, porque podem atrair genros e, com isso, trabalhadores masculinos para o grupo familiar.

História do contato
Os Guajajára têm uma história longa e muito singular de contato com os brancos. O primeiro contato pode ter acontecido em 1615, nas margens do rio Pindaré, com uma expedição exploradora francesa. Até os meados do século XVII, os Tenetehára foram assolados pelas expedições escravagistas dos portugueses no médio Pindaré. Esta situação mudou com a instalação das missões jesuítas (1653-1755), que ofereceram certa proteção contra a escravidão, mas implicaram um sistema de dependência e servidão.

Depois da expulsão dos jesuítas da Colônia pela Coroa, os Tenetehára conseguiram recuperar parte de sua antiga independência, reduzindo os contatos com os colonizadores. A partir de meados do século XIX, foram progressivamente integrados em sistemas regionais de patronagem, com todas as formas conhecidas de exploração extrema (como coletores ou remeiros, por exemplo). A política indigenista da época não articulava qualquer proteção contra estes abusos. Os Guajajára, de vez em quando, reagiam violentamente, mas em geral permaneciam submissos.

A maior revolta, no entanto, foi causada por um empreendimento de missão e colonização dos capuchinhos, a partir de 1897, em Alto Alegre, na região atual de Cana-Brava. Em 1901, o cacique Cauiré Imana conseguiu unir um grande número de aldeias para destruir a missão e expulsar todos os brancos da região entre as cidades de Barra do Corda e Grajaú. Poucos meses depois, os índios foram derrotados pela milícia (composta de contingentes do Exército, da Polícia Militar, de indivíduos da população regional e de guerreiros Canelas) e perseguidos por vários anos, o que fez muito mais vítimas entre os Guajajára do que entre os brancos. A revolta de Alto Alegre representa um dos incidentes mais importantes na história deste povo.

Novos conflitos sangrentos surgiram a partir dos anos 1960 e 70, com a expansão descontrolada de latifúndios no centro do Maranhão, empurrando muitos posseiros para dentro das Terras Indígenas. O maior palco destes conflitos foi de novo Cana-Brava, com o povoado ilegal de São Pedro dos Cacetes, que existiu de 1952 a 1995 e contra o qual os Guajajára tiveram que resistir quatro décadas, com apoio apenas esporádico do Governo Federal. Outras ameaças surgiram a partir dos anos 1980, com o Programa Grande Carajás e com a cobiça de pequenas madeireiras regionais.

O contato com outras etnias indígenas - Guajá, Urubu-Ka'apor e vários grupos timbira, entre os quais os Canela - era tradicionalmente marcado por hostilidades. Apesar do fim dos confrontos armados, ainda existem ressentimentos interétnicos, particularmente contra os Canelas e os Guajá.

Atividades econômicas
A principal atividade de subsistência é a lavoura, sendo comum o plantio de mandioca, macaxeira, milho, arroz, abóbora, melancia, feijão, fava, inhame, cará, gergelim, amendoim. Na estação seca, de maio a novembro, são realizadas a broca, derrubada, queimada, coivara e limpeza, enquanto de novembro a fevereiro se faz o plantio e as capinas.

As áreas plantadas por unidade residencial geralmente são pequenas: atualmente elas variam entre 1,25 ha e 3,55 ha por unidade doméstica ou entre 0,25 ha e 0,71 ha por indivíduo, respectivamente. Esta variação depende principalmente do envolvimento das comunidades e dos indivíduos na comercialização de produtos agrícolas.

Algumas aldeias têm grandes roças comunais preparadas para projetos comunitários, para plantar arroz e frutas para a comercialização. Em muitas roças encontra-se uma planta ainda não identificada, chamada canapu pelos Guajajára. Trata-se de um arbusto de cerca de 60 cm de altura que dá pequenas frutas amareladas, moles e cheias de pequenas sementes, de forma parecida a uvas. É interessante notar que esta planta não tem nenhuma função prática para os Guajajára contemporâneos, mas eles relatam que era seu alimento em tempos míticos antes que Maíra, seu criador do mundo, os ensinasse a agricultura. É por causa desses relatos míticos que o canapu não é arrancado durante a "limpeza" da roça.

A pesca é mais praticada pelas aldeias ribeirinhas. Os Guajajára costumam pescar cerca de 36 espécies diferentes, sendo o cará, o cascudo, a lampreia, o mandi, o pacu, o piau e a traíra as mais comuns. Nos últimos anos, no entanto, foram construídos, em diversos projetos comunitários, pequenos açudes perto de algumas aldeias que ficam distantes de rios. Para os moradores destas aldeias os açudes permitem tanto a pesca de subsistência quanto a comercial.
Durante as últimas décadas, a caça tornou-se uma atividade cada vez menos produtiva por causa da concorrência dos brancos e das limitações das áreas. Os Guajajára caçam tradicionalmente mais de 56 espécies, sendo as mais comuns o caititu, a cutia, o jacamim, o jacu, a queixada e diversas espécies de macacos e tatus. Em uma parte das terras Guajajára a caça voltou a ser mais produtiva durante os anos 1990 depois de iniciar controles mais eficientes dos limites das terras pelos próprios índios.

A coleta ainda é praticada por quase todos os Guajajára. As atividades de coleta, no entanto, estão sendo substituídas cada vez mais pela fruticultura nas aldeias e roças. Atualmente os Guajajára plantam cerca de 30 tipos de fruteiras e palmeiras. O único produto florestal ainda coletado em maiores quantidades para fins comerciais é o mel.

As relações econômicas com os brancos baseiam-se tanto em trocas materiais quanto monetárias. As fontes de renda mais comuns são a comercialização de produtos agrícolas, a venda de artesanato e trabalhos temporários (para os colonos) ou permanentes (para a Funai). Outra fonte de dinheiro é a venda de maconha, plantada tradicionalmente pelos Guajajára. A maconha foi introduzida por escravos africanos no século XVIII e seu consumo ainda é uma parte integral da cultura indígena, mas sua venda gera conflitos muito sérios e violentos com as Polícias Federal e Militar.

Um problema muito grave é a comercialização predatória dos recursos naturais das áreas por concessões a madeireiras e caçadores, de modo a obter pequenos lucros em curto prazo para, por exemplo, comprar os remédios não fornecidos pelos serviços governamentais deficientes.
Organização social e política.Atualmente, as aldeias não mais tomam nenhuma forma típica: são compridas (ao longo de caminhos), redondas ou quadrangulares. Localizam-se de preferência à beira de rios ou, na falta de cursos d'água, perto de lagoas na mata. A proximidade de uma estrada pode ser outro fator atraente, para vender artesanato, por exemplo.
As aldeias, antigamente muito pequenas e de existência temporária, hoje em dia são permanentes e poucas vezes transferidas. Podem ser constituídas por uma única família, mas em alguns casos podem ter até 400 ou mais moradores. As casas, construídas no estilo regional camponês, em geral são habitadas por famílias nucleares. As aldeias costumam manter sua independência e poucas vezes formam coligações regionais, mas existem diversas relações de parentesco, matrimoniais e rituais entre as comunidades.

O sistema de parentesco e as formas de casamento destacam-se pela flexibilidade em estabelecer e aproveitar relações. A unidade mais importante é a família extensa, que é composta por um número de famílias nucleares unidas entre si por laços de parentesco. Trata-se, em essência, de um grupo de mulheres aparentadas e sob a liderança de um homem. Não há metades, clãs ou linhagens, nem qualquer direito ou obrigação que se transmita por uma linha de descendência específica.

A residência pós-núpcial é com os pais da mulher (uxorilocalidade), pelo menos temporariamente. Muitos chefes de família extensa procuram manter o maior número de mulheres junto de si, até adotando as filhas de homens falecidos que eles costumavam chamar de "irmãos". Eles tentam arranjar casamentos para essas moças para assim conseguir genros, que devem viver pelo menos um ou dois anos junto aos sogros, prestando vários tipos de serviço. Se o chefe de família tem bastante prestígio, consegue que os genros se fixem definitivamente com ele, aumentando, desse modo, o número de colaboradores e angariando co-partidários para formar uma facção na aldeia.

A chefia, sem regras fixas para se estabelecer, sofreu algumas mudanças com a política indigenista. Os principais critérios tradicionais para assumir a liderança (qualidades individuais e uma base de co-partidários por consangüinidade e afinidade) ficaram menos importantes, comparados com as exigências de saber lidar com o mundo dos brancos. Isto diz respeito, em primeiro lugar, à capacidade de se relacionar com os órgãos governamentais e tirar vantagens disto para a comunidade local, e à qualidades individuais (conhecimentos do português e talento diplomático, entre outras).

Cada aldeia tem seu próprio cacique ou capitão, mas há aldeias com mais de um por causa das rivalidades entre várias famílias extensas. Alguns caciques tentam estender sua influência às aldeias vizinhas, mas sua autoridade é muito instável e pode ser contestada a qualquer instante pelos concorrentes da própria aldeia. Neste jogo pelo poder, o órgão indigenista costuma intervir para promover seus próprios protegidos, que podem ser personagens fracos, sem base verdadeira nas aldeias.
As relações de gênero estão marcadas por desequilíbrios em favor dos homens, o que se manifesta principalmente na política e na educação: lideranças costumam ser masculinas e a educação para os meninos é mais liberal do que para as meninas. Nas esferas econômica e cosmológica, as atividades femininas estão mais relacionadas com a agricultura do que as masculinas, mais voltadas para a caça.

A tradicional divisão sexual do trabalho hoje em dia não está mais tão bem definida quanto antigamente, restando cada vez menos atividades tipicamente "masculinas", que atualmente apenas são a caça e o preparo da lavoura. As mulheres ainda não conseguiram conquistar a arena política, ficando à margem das reuniões e continuando a influenciar os homens na esfera doméstica. Nas relações sexuais, são principalmente as mulheres que costumam tomar a iniciativa.
Quanto aos nomes pessoais , atualmente predominam os cristãos-portugueses. Geralmente, só as pessoas acima de 60 anos ainda têm nomes indígenas.

Cultura material
Os Guajajára abandonaram grande parte de sua cultura material tradicional, ainda produzindo um pouco da cestaria e redes de dormir para uso doméstico e comercialização. Com os incentivos da Funai a partir dos anos 1970, os Guajajára voltaram a produzir arte plumária, adornos, armas e cestaria, lembrando-se de padrões antigos e imitando modelos de outros povos indígenas, finalmente criando um novo estilo próprio que hoje em dia pode ser identificado com facilidade. Desse modo, os Guajajára também voltaram a usar pintura corporal, por ocasião tanto de festas e rituais como de manifestações políticas.

Cosmologia, mitologia e ritos
A cosmologia tradicional é típica dos povos tupi-guarani, distinguindo-se quatro categorias de seres sobrenaturais, que recebem a designação genérica de karowara: (1) os criadores ou heróis culturais, responsáveis pela criação e transformação do mundo, sendo Maíra e os gêmeos Maíra-ira e Mucura-ira os mais importantes e Zurupari, o criador das pragas e dos insetos, das cobras peçonhentas e aranhas, um herói cultural muito temido; (2) os "donos" das florestas (Ka'a'zar), das águas (Y'zar), das caças (Miar'i'zar) e das árvores (Wira'zar), que são hostis e muito temidos por seu poder maligno; (3) os azang, espíritos errantes dos mortos, também muito temidos; e (4) os piwara, espíritos de animais. Muitos Guajajára não acreditam mais nestes seres, por causa das atividades missionárias.

A mitologia uma mistura de motivos tupi, europeus e africanos. Há, por exemplo, um mito com o motivo da Gata Borralheira e a figura do Zurupari. Existem três categorias principais de mitos: (1) mitos de heróis culturais; (2) mitos que apontam uma moral; e (3) mitos de animais. Em todos os mitos registrados até agora, destaca-se o papel de Maíra. Um mito muito importante para explicar o mundo do ponto de vista dos Guajajára é o dos gêmeos Maíra-ira e Mucura-ira.

O motivo mítico dos gêmeos é comum entre diversos povos tupi. Para os Guajajara eles são heróis culturais, ao lado de Maíra-pai, embora não tenham o mesmo pai. Enquanto Maíra-ira tem origem divina, Mucura-ira tem origem animal, como seu pai.
O mito relata sua odisséia por um mundo cheio de desafios e perigos, desde os primeiros momentos dentro da barriga da mãe até o encontro final com Maíra. O maior desafio é sua sobrevivência entre as "onças", que são canibais e matam a mãe dos dois, mas s os gêmeos se vingam delas brutalmente. No decorrer dos anos, os dois aprendem superar todos os perigos naturais e supernaturais, mas Mucura-ira sofre mais devido a sua natureza "humana".
O mito é cheio de alusões à vida cotidiana dos Guajajara e explica grande parte de seu mundo, como, por exemplo, a "condenação" dos Guajajára à agricultura por Maíra por causa de algum "pecado original", como um momento de desconfiança dos poderes de Maíra por parte de uma mulher. Mas ele também pode ser interpretado em termos dos conflitos apresentados e superados como representação mítica dos conflitos dentro da sociedade Guajajára e com outros povos.
Os grandes rituais tradicionais estão em decadência por muito tempo. Antigamente, o mais importante era a Festa do Mel (zemuishi-ohaw), realizada em setembro ou outubro, durante a estação seca, e que exigia vários meses para ser preparada. Ela desempenhava um papel muito importante nas boas relações entre as aldeias, mas atualmente é celebrada raramente e apenas em poucas aldeias.

A Festa do Milho (awashire-wehuhau), também chamada a "festa do pajé", realizava-se todos os anos na época das chuvas, durante o período de crescimento desse vegetal. Seu propósito era garantir uma boa colheita e proteger o milho contra as ações dos azang. Por isso, sua principal característica era a pajelança.
O rito do Moqueado, realizado na mesma ocasião como parte da Festa do Milho, marcava o final da puberdade para os adolescentes participantes. O Moqueado ainda é praticado em intervalos irregulares, mas tornou-se meio profano, muitas vezes só restando a parte culinária do rito para acompanhar reuniões políticas.
Entre as causas principais do abandono dessas festas figuram a falta de tempo para prepará-las e realizá-las, considerando a integração dos Guajajára na economia regional, além do esquecimento de muitos cantos xamânicos.
O ciclo de vida de uma pessoa ainda costuma ser acompanhado por uma série de rituais. Entre estes, os rituais de iniciação, em particular os das meninas, são os mais vistosos e ricos de significados. Além disso, há uma série de rituais para pedir permissão a Maíra para plantar, a Miar'i'zar para caçar e a Y'zar para pescar.

O xamanismo também está em decadência. Em algumas aldeias nem existe mais. Antigamente, a maioria dos homens tentava, a qualquer custo, ser pazé, mas poucos tinham sucesso e ganhavam fama. O poder e a reputação dos pajés dependiam do número de seres sobrenaturais que eles sabiam "chamar". Pajés muito reconhecidos podiam se tornar também líderes poderosos.
A pajelança é uma atividade quase exclusivamente masculina. A função principal dos pajés ainda é curar e celebrar as festas de Maíra e da "mesada", um ritual de oferendas em favor de pessoas doentes. A pajelança costuma ser vista como ambígua, porque os poderes dos xamãs podem ser usados para objetivos tanto positivos quanto negativos.

Situação contemporânea
Os limites das Terras Indígenas, apesar da boa situação jurídica formal, muitas vezes não são respeitados. A população regional tem preconceitos muito fortes contra os índios e grande dificuldade de aceitar as demarcações. Na maioria dos casos, são pequenas madeireiras regionais e grupos de posseiros que violam os limites, mas atualmente não há nenhum grande conflito das dimensões de São Pedro dos Cacetes, como no início dos anos 1990.

As áreas são assistidas oficialmente pelas administrações regionais da Funai de São Luís, Barra do Corda e Imperatriz, que são controladas parcialmente pelos próprios Guajajára, até no cargo de administradores regionais. Isto, porém, não ajudou a acabar com o clientelismo típico do órgão e suas tentativas de cooptação das lideranças tradicionais.

A situação da saúde nas aldeias ainda é preocupante. Os Guajajára são muito mais atormentados por doenças, como verminoses, malária, tuberculose e vários tipos de gripe, do que o restante da população rural. Ainda não é possível fazer um balanço das mudanças introduzidas pelo novo regime de assistência de saúde.

A situação da educação é pouco melhor, sendo a escola bilíngüe uma exigência apenas parcialmente cumprida, apesar das boas cartilhas preparadas pelos missionários do Summer Institute of Linguistics. Muitas aldeias ou não têm escolas ou estas não funcionam, seja por falta de material didático ou de pessoal docente qualificado.

Em 1990, foi fundada a primeira organização étnica, a Associação Comunitária Guajajára, que tinha como objetivos ampliar a autodeterminação política, melhorar a situação econômica com projetos comunitários, e revitalizar e conservar partes da própria cultura. A Associação almejou representar um dia todas as aldeias guajajára da região de Barra do Corda, fazendo sua base principal na zona setentrional e central de Cana Brava. Seus protagonistas foram os líderes tradicionais. A Associação recebeu recursos materiais e financeiros da Eletronorte.

Em final de 1997, os Guajajára das comunidades associadas, insatisfeitos com os resultados alcançados até aquela altura e por causa de disputas faccionais internas, decidiram dividir a Associação. Assim, em 2000 havia 23 associações comunitárias guajajára só na região de Barra do Corda, cada uma tentando atrair recursos para pequenos projetos comunitários. Estes recursos geralmente foram do Banco Mundial, aplicados por meio do Projeto Nordeste.

As terras dos Guajajára foram atingidas por vários projetos, particularmente no âmbito do Programa Grande Carajás: pela construção da Ferrovia Carajás, que afeta Caru, Rio Pindaré e, indiretamente, Araribóia; pela inclusão no "Programa de Apoio às Comunidades Indígenas" (1982-1987); e por convênios especiais da Eletronorte e do Banco Mundial com várias comunidades locais, para compensar danos causados pela construção de infraestruturas como, por exemplo, uma linha de transmissão elétrica que passa por Cana-Brava. A área Bacurizinho foi incluída no Projeto Integrado de Proteção às Populações e Terras Indígenas da Amazônia Legal (PPTAL), no âmbito do Programa Piloto para a Proteção das Florestas Tropicais do Brasil (PPG7), para ser reindentificado.

As atividades missionárias entre os Guajajára, com exceção do católico Conselho Indigenista Missionário (CIMI-MA), ativo desde os anos 1970, são quase exclusivamente protestantes, principalmente dos pentecostais, que já conseguiram "conquistar" até a metade de algumas aldeias, assim contribuindo altamente para a destruição da religião indígena. A assistência qualificada dos missionários, especialmente na área da saúde, é um fator de atração muito importante para os índios.

Nota sobre as fontes
Os textos etnológicos têm focalizado os Guajajára, sem exceção, sob o prisma do contato interétnico, a começar pelo livro de Charles Wagley e Eduardo Galvão, Os índios Tenetehára, publicado primeiramente em inglês, baseado em pesquisa de campo realizada nos anos 1940, que aborda sua cultura em transição para o modo de vida sertanejo. Neste estudo clássico da Etnologia Indígena os dois autores prognosticaram equivocadamente o desaparecimento dos Guajajára como grupo diferenciado para os anos 1960.

Mércio Gomes, por sua vez, nos anos 1970, em sua tese de doutorado, defendida na Universidade da Flórida, examinou, à luz de uma análise marxista, a história das relações dos Guajajára com os brancos desde o período colonial e apresentou uma teoria para explicar a persistência da sua cultura.

Na década de 1980 concentram-se os artigos de Edson Diniz, que se referem uns aos outros, repetindo os autores já referidos, sem nenhuma contribuição inovadora. Mais recentes, os trabalhos de Peter Schröder apresentam principalmente a situação dos Guajajára no final dos anos 1980 e nos anos 90. Ele publicou sua tese de doutorado, defendida na Universidade de Bonn, na Alemanha, sobre a formação de um movimento político entre os Guajajára (1993), usando uma abordagem multicausal.

O livro O filho de Maíra (1997), de Carlo Ubbiali, do CIMI-MA, é uma apresentação subjetiva e muito política da cultura guajajára por meio de uma abordagem biográfica, descrevendo principalmente a vida de uma liderança. A monografia mais recente é a dissertação de mestrado de Cláudio Zannoni, defendida na Uesp de Araraquara e publicada em 1999 com o título Conflito e coesão:o dinamismo tenetehara. Nela, Zannoni dá enfoque na mitologia e nos rituais para entender melhor o dinamismo da sociedade guajajára face aos conflitos com os brancos. Espera-se em breve o lançamento da tese de doutorado de Elisabeth Coelho, da UFMA, defendida em 1999 na UFC e que trata do conflito de São Pedro dos Cacetes.
O livro Cauiré Imana, de Olímpio Cruz, descreve num estilo ficcional o levante guajajára contra a missão dos capuchinhos, em 1901. Sobre a língua guajajára há principalmente os trabalhos de David Bendor-Samuel, Max Boudin, Carl Harrison.Peter Schröder elaborou uma bibliografia exaustiva sobre os Guajajára.

Existe um filme documentário sobre o conflito de Alto Alegre. Nos documentários de Jürgen Diekert e Jacob Mehringer sobre os Canela, mostrados na Alemanha e pela representante regional da rede Globo em São Luís, há muitos trechos com os Guajajára.


Antigamente os índios mantinham facilmente seus costumes, saíam para pescar e caçar e no fim da tarde voltavam para casa e para seus rituais.

Hoje em dia não pode ser mais assim porque não temos mais mato, o índio teve que adquirir outros costumes para sobrevi-ver. Nossas terras estão cheias de posseiros que atrapalham nossa vida. Agora nós praticamos nossos rituais de 15 em 15 dias, em terreiros sagrados, e assim preservamos e passamos os costumes para nossos filhos .

Agora tem tanto pajé e tanto cacique que nunca vi. No tempo de meu pai Narciso não era assim, ele era o único cacique e só tinha um pajé lá na serrinha, o Joaquim Serafim. Meu pai começou em 1942 e ia tudo certo, depois entrou outra turma e tudo entortou.

Aqui primeiramente precisa de um pajé, um cacique e um chefe de posto certos. Pessoas de palavra. O pajé é como o pai da nação! Se as últimas autoridades tivessem trabalhado não era para as pessoas irem batendo cabeça como andam.

Se a gente tivesse água, não passava fome.

Nós adoramos os Praiá, que em nossa tradição é Deus, que nos dão até hoje a resistência, a luz, a força. São nossos próprios ancestrais que nos protegem.

Antigamente era na água e sal, não tinha tempero nenhum, era uma caça, um camaleão, um teiú, um passarinho, um beiju. A gente não tinha cama, botava umas palhas de ouricuri no chão e a gente se deitava, o lençol era um saco de feijão, a colher era da folha do cajueiro. Agora estamos numa boa, antes era tudo um sacrifício. Agora é beleza. Antes era difícil, mas para eles era melhor.

Os índios, antigamente, andavam praticamente nus. Usavam penas na cabeça, chocalhos nas mãos e também se pintavam por inteiro. Vestiam saias feitas com palha, usavam lanças para caçar o próprio alimento. Suas casas eram as ocas feitas a partir de elementos da natureza, como a palha.
Os índios atuais andam arrumados e até com bonés na cabeça. Já não usam nada nas mãos e vêem as horas com relógio de braço. Eles também não se pintam mais, usam roupas normais, se alimentam de comida de branco e ainda se sentam à mesa. Os índios de hoje moram em suas próprias casas, feitas de tijolos.
Os índios, antigamente, não sabiam nem ler, escrever ou falar o português. Os índios de hoje freqüentam as escolas para apreender a língua do branco.
Triste o rumo que foi dado aos índios... pelos brancos!

Fotos:













BY:Barbara

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