A imigração para o Japão
NAS DUAS ÚLTIMAS décadas do século XX, o contingente do Brasil, país
até então visto como receptor de imigrantes, começou a se dirigir ao estrangeiro.
Dentre os diversos destinos, o Japão é um dos que têm recebido
um expressivo contingente de brasileiros que foram para trabalhar em ocupações
de baixa qualificação, especialmente no setor manufatureiro.
Com a crise econômica no Brasil e a concomitante prosperidade no Japão,
ir para o “país dos seus ancestrais” passou a ser considerado uma alternativa diante
da crise econômica que marcou a situação brasileira nos anos 1980. Não são os
pobres que emigram ao exterior, mas uma classe média que tem tentado manter
ou elevar seu padrão de vida. Trata-se de filhos e netos de imigrantes japoneses
que no início do século XX vieram ao Brasil e que estão indo agora para o Japão
com as mesmas intenções de seus ancestrais: trabalhar temporariamente para retornar
enriquecido para o seu país de origem. Mas a história tem nos mostrado
que as intenções temporárias iniciais não têm se cumprido, por diversas razões,
percorrendo trajetórias inesperadas. No caso dos imigrantes japoneses, a Segunda
Guerra Mundial foi crucial para a sua fixação definitiva no solo brasileiro.
Já no caso de seus descendentes no Japão, embora algumas famílias já estejam
adquirindo o visto permanente e se estabelecendo no país de destino, muitos
brasileiros ainda ficam divididos entre os dois países, onde transitam – entre facilidades
e dificuldades – sem muita clareza em saber qual é o seu lugar.
Os brasileiros que vão para o Japão deparam com uma realidade japonesa
muito diferente da imagem idealizada do país passado por seus pais e avós imigrantes
no Brasil, como se tivessem congelado a cena do momento da partida,
perdendo a noção do tempo durante a viagem, levando consigo as lembranças
do que lhe era familiar. À medida que as novidades se esgotam nesse novo lugar,
realidade, contexto e relações de diversas naturezas, os migrantes sentem saudades
do que ficou, sem imaginar ou mesmo se dar conta das irrefreáveis mudanças
no lugar de onde partiram – um cenário, uma sensação memorizada durante a
sua ausência, guardada preciosamente no seu sentimento de pertencimento.
A partir da nova realidade vivida, os nipo-brasileiros constroem sua(s)
vida(s) entre Brasil e Japão (entre a origem e destino – perdendo de vista onde é
o quê), não sendo um simples somatório de elementos simbólicos e fragmentos
selecionados entre Brasil e Japão de seus antepassados. Compõem uma complexa
teia de conexões e de relações sociais que vão se estabelecendo em vários níveis
não apenas pelos próprios migrantes e os diversos atores que participam do
cenário constitutivo de redes sociais de brasileiros, mas também pelos estudiosos
A imigração para o Japão1
ELISA SASAKI
100 ESTUDOS AVANÇADOS 20 (57), 2006
e aqueles que se sentem autorizados a falar sobre os brasileiros descendentes de
japoneses. Isso sem contar com a dimensão histórica que deve ser considerada.
Isso posto, este texto apresentará, primeiramente, uma breve contextualização
da imigração japonesa ao Brasil ao longo do século XX. Em seguida,
focará a presença de brasileiros no Japão, que foi se institucionalizando ao longo
dos últimos vinte anos, no processo migratório internacional contemporâneo
entre Brasil e Japão.
Japoneses no Brasil
A imigração de japoneses para o Brasil iniciou-se oficialmente em 1908,
num período em que o Japão precisava escoar o excedente populacional e resolver
seus problemas internos decorrentes da reforma política da Era Meiji – de
1868 a 1912, marcando o início da Era Moderna no Japão –, e quando o Brasil
demandava por mão-de-obra imigrante.
Na virada do século XIX para o XX, o Brasil passou a adotar uma postura
receptora de mão-de-obra imigrante, à medida que se sucedeu a abolição da
escravatura e a implantação da cafeicultura demandava mão-de-obra nesse período.
Mas em 1902, a Itália – de onde provinha o principal fluxo de imigrantes
europeus ao Brasil nesse período – proibiu que seus cidadãos fossem recrutados
e encaminhados ao Brasil. Para preencher essa lacuna, os japoneses foram considerados
uma das alternativas, e a sua presença causou um acalorado debate
sobre a sua aceitação no país. Esse período associava formulações sociológicas,
de medicina social e políticas públicas na tentativa de explicar e resolver o atraso
socioeconômico brasileiro. A fórmula combinava idéias de pensadores brasileiros
e influências estrangeiras – como Gobineau, Lombroso, Nina Rodrigues,
Paulo Prado, Manuel Bonfim, Oliveira Viana entre tantos outros (Schwarcz,
1993) – sobre o atraso socioeconômico do país, que foi sendo profundamente
atrelado à presença negra na população brasileira. A preocupação era a do
“branqueamento” da população, que assim justificava a procura de europeus
brancos, como alemães e italianos (inicialmente) para atender a essa lógica. Era
um período em que a elite brasileira estava preocupada em construir uma nação,
com anseios eugênicos.
Os “amarelos”, isto é, os asiáticos, não condiziam com os ideais da construção
da identidade nacional brasileira, que era baseada na política de embranquecimento,
embora eles tenham sido vistos como uma alternativa para compor
a mão-de-obra e atender à demanda na lavoura cafeeira. Além disso, havia uma
preocupação em relação à sua adaptação nas terras brasileiras. A questão da assimilação
esperada pelos nacionais se contrapunha à racionalidade econômica e
produtiva. Isso configurava uma das contradições da política imigratória brasileira,
pois, ao receber os imigrantes, por um lado, desqualificava o nacional como
trabalhador (uma vez que o trabalhador brasileiro era tido como indisciplinado
e indolente), para justificar a imigração estrangeira, e, por outro, desqualificava
o imigrante como estrangeiro para justificar medidas discriminatórias (Vainer,
ESTUDOS AVANÇADOS 20 (57), 2006 101
1995). Pelo fato de o japonês não ser nem branco nem negro, os japoneses eram
aqueles que não podiam achar facilmente o seu lugar no contexto brasileiro. Negros
e brancos eram as duas pontas de uma tensa relação racial que atravessava as
diversas naturezas das relações sociais estabelecidas no Brasil.
Nos alvores do século XX, a migração era uma questão diplomática prioritária
para o seu Ministério das Relações Exteriores do Japão (MREJ). Segundo
Shimizu (1998, p.78), o MREJ estava preocupado com as implicações negativas
das práticas migratórias antijaponesas (nos países anglo-saxões, como Estados
Unidos, Canadá e Austrália), que teriam peso simbólico no status do Japão
como uma grande potência – status esse que foi adquirido e reconhecido internacionalmente
ao vencer a guerra contra a China (1894-1895) e, em seguida,
contra a Rússia (1904-1905). Assim, os oficiais do MREJ expressaram um
interesse burocrático em resolver a questão da migração quando eles traçaram
a “Proposta de igualdade racial” na Conferência de Paz de Paris em 1919. Embora
as prioridades burocráticas do MREJ não necessariamente reflitam a visão
de outras partes do governo nem da opinião pública, o MREJ acreditava, no
entanto, que era uma prioridade urgente encontrar uma solução satisfatória ao
tratamento discriminatório em relação aos imigrantes japoneses nos territórios
anglo-saxões. Pois isso, simbolizava a posição inferior dos japoneses em relação a
grandes potências ocidentais. Assim, a imigração refletia a insegurança do Japão
de ser uma nação não-branca dentre as grandes potências – e os outros quatro
eram ocidentais brancos (ibidem, p.87) .
Mais tarde, a campanha antijaponesa no Brasil foi, de um lado, alimentada
pelo fato de o Japão ter se aliado ao Eixo na Segunda Guerra Mundial – isto é,
pela crescente instabilidade internacional mediante a política militarista agressiva
do Japão no continente asiático e o crescente poderio militar do nazi-fascismo
na Europa, representado pela Alemanha e Itália –, e, de outro, os esforços nacionalistas
brasileiros de construção de uma sociedade brasileira coesa, na qual
todos os cidadãos, incluindo filhos de imigrantes das mais diferentes procedências,
deveriam adotar uma consciência nacionalista brasileira.
Todo o processo de imigração e de estabelecimento desse contingente foi
tutelado pelo governo japonês (Sakurai, 2000), desde recrutamento, propaganda,
transporte, custeio, até o estabelecimento no país hospedeiro. O auge dessa
imigração foi entre 1925 e 1934, com mais de 120 mil imigrantes. No Brasil,
os anos 1930 foram marcados pelas mudanças políticas, com a implantação do
Estado Novo, um período de ditadura com anseios nacionalistas, que restringiu
drasticamente a entrada de estrangeiros no país.
Até eclodir a Segunda Guerra Mundial, os imigrantes japoneses no Brasil se
consideravam nihonjin, isto é, japoneses, uma vez que ainda havia perspectiva de
retornarem enriquecidos ao Japão. Depois desse evento, eles passaram a construir
suas vidas nas terras brasileiras, distantes da possibilidade do retorno. Até o período
da guerra, a permanência no Brasil era tida como provisória. A guerra foi utilizada
como o fator decisivo para não ter que acionar o argumento do insucesso
102 ESTUDOS AVANÇADOS 20 (57), 2006
O vapor Kasato-Maru atracado no Porto de Santos, Cais 14.
Na subida ao planalto paulista, a viagem de trem.
Os imigrantes com suas bagagens na hospedaria.
Fotos Acervo Centro de Cultura Japonêsa
ESTUDOS AVANÇADOS 20 (57), 2006 103
Os imigrantes preparando a partida para as fazendas.
Os colonos japoneses na Fazenda Tibiriçá.
Os colonos japoneses na colheita do café.
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do não-retorno de quase todos os imigrantes. A fixação definitiva no Brasil, que
vinha ocorrendo há pelo menos uma década, é finalmente incorporada e aceita.
A guerra foi o pretexto simbólico para legitimar o processo, que era inexorável,
da permanência definitiva no Brasil (Sakurai, 2000).
Após o período da Segunda Guerra Mundial, o fluxo de migrantes japoneses
ao Brasil foi retomado em 1953. O governo japonês continuou regendo a
migração, e pode-se dizer que os japoneses que imigraram ao Brasil no período
pós-guerra eram diferentes dos que vieram no pré-guerra. Parece ter havido
uma relação tensa entre os imigrantes japoneses do pré e os do pós-guerra. Os
do pós-guerra – chamados de “Japão Novo” – eram jovens rapazes educados e
especialistas qualificados na área agrícola e também em alguns setores da indústria.
Houve, subseqüentemente, uma migração de noivas japonesas para se casarem
com esses rapazes e se estabelecerem nas terras brasileiras. Nos anos 1960,
o Japão começou a prosperar e diminuiu o fluxo migratório ao Brasil a partir
desse período. Em 1973, encerrou-se o programa de emigração. O contingente
japonês ao Brasil no período pós-guerra, entre 1953 e 1973, foi de aproximadamente
53 mil (CEHOAIJB, 1992, p.429).
A presença japonesa foi se institucionalizando ao longo do século XX, sobretudo
no período pós-guerra, criando inúmeras entidades associativas: culturais,
religiosas, esportivas, recreativas, agrícolas, por região de origem (províncias
no Japão), por atividades ocupacionais etc., além da visibilidade nipônica nas comemorações
decenais da imigração japonesa. A participação do governo japonês
promovendo a imigração ao Brasil, em todos os aspectos, contribuiu para que
os japoneses fossem fortemente associados às atividades agrícolas, representadas,
por exemplo, pela Cooperativa Agrícola de Cotia (CAC – atualmente falida) e a
alguns setores da indústria – como de sericicultura (criação de bicho-da-seda),
algodão, siderúrgica e outros (Saito, 1980; CEHOAIJB, 1992).
Em relação à localização geográfica, pode-se dizer que os imigrantes japoneses
se estabeleceram em vários núcleos coloniais, principalmente no Estado
de São Paulo e no norte do Paraná, Mato Grosso do Sul, Pará e Amazonas.
O Estado de São Paulo recebeu o maior contingente. Na capital paulista, os
nipônicos instalaram-se ao redor da cidade e participaram ativamente da formação
do Cinturão Verde, ou seja, do desenvolvimento da produção agrícola de
legumes, verduras e frutas para abastecer a Região Metropolitana de São Paulo.
Instalaram-se, também, em vários bairros paulistanos, destacando-se os bairros
da Liberdade e de Pinheiros. Ainda no Estado de São Paulo, os emigrantes japoneses
fixaram-se na região Alta Paulista – como Tupã, Bastos, Marília, entre
outros municípios – onde desenvolveram a agricultura do algodão. Nas zonas
alagadiças do Vale do Paraíba (entre São Paulo e Rio de Janeiro), desenvolveram
a cultura do arroz. No Vale do Ribeira, Iguape, litoral sul do Estado de São
Paulo, introduziram a cultura do chá. No Estado do Pará, na região de Bragança
e em Tomé-Açu, cultivam a pimenta-do-reino. No Amazonas desenvolveram a
cultura de várzea, destacando-se a juta e o arroz.
ESTUDOS AVANÇADOS 20 (57), 2006 105
Atualmente, no início do século XXI, a vaga estimativa de japoneses e seus
descendentes presentes no Brasil é em torno de 1,3 milhão (Jica, 2003), e 80%
de japoneses e brasileiros de origem japonesa (incluindo os japoneses naturalizados)
devem estar localizados no Estado de São Paulo; dentre esses, a maior
parte deve estar presente na Região Metropolitana de São Paulo, 15% no Paraná
(principalmente na região norte) e os 5% restantes devem estar espalhados por
quase todos os outros estados brasileiros.2
Brasileiros no Japão
Nos anos 1980, o Brasil atravessou um período de crise econômica com altas
taxas de inflação, assim como frustrações no aspecto político no processo de
redemocratização. Essa situação fez que um grande contingente de brasileiros
da classe média buscasse alternativas no exterior como trabalhadores migrantes
de baixa qualificação, principalmente nos Estados Unidos, no Paraguai, no Japão
e na Europa (Assis & Sasaki, 2000). A partir da segunda metade da década
de 1980, o volume desse contingente se massificou. Nos primeiros anos do terceiro
milênio, a estimativa do volume de brasileiros no exterior gira em torno de
três milhões (CRER, ABA, 2003).
As primeiras notícias sobre a ida de brasileiros nipo-descendentes para trabalhar
temporariamente no Japão apareceram nos meados da década de 1980,
apresentando um movimento tímido quanto ao volume. Em geral, eles não
tiveram grandes problemas burocráticos para entrar no território japonês, pois
tinham origem japonesa; eram das primeiras gerações – issei (primeira geração
ou os próprios japoneses nascidos no Japão) e/ou nissei (segunda geração ou os
filhos dos migrantes japoneses nascidos fora do Japão) –, logo, muitos tinham
nacionalidade japonesa ou dupla nacionalidade (podendo ingressar no Japão
como japoneses3); grosso modo, eram homens de idade avançada; chefes de família;
casados; sabiam falar japonês e tinham pretensões de estada temporária no
Japão (Sasaki, 1999).
Enquanto no Brasil, a década de 1980 foi caracterizada pela recessão econômica,
inflação e desemprego, do outro lado do planeta, o Japão experimentava
um boom econômico durante a segunda metade dessa década. As pequenas e
médias empresas demandavam mão-de-obra estrangeira − o que influenciava em
toda a economia japonesa, porque no final da cadeia produtiva encontravam-se
as pequenas firmas, que recebiam encomendas das grandes empresas montadoras
por meio do sistema de subcontratação. Como nessas pequenas empresas não
havia perspectiva de carreira ou ascensão profissional, os japoneses − sobretudo
os mais jovens, escolarizados, que ingressavam no mercado de trabalho − recusavam-
se a trabalhar nelas, por não as considerarem oportunidades viáveis de ascensão
ou mobilidade social, preferindo as empresas maiores, mais competitivas,
porém com maior possibilidade de ascensão profissional. Isso sem contar com o
fato de o Japão estar sofrendo com a questão demográfica, tendo uma população
idosa cada vez mais numerosa, associada à baixa natalidade. Assim, muitas des106
ESTUDOS AVANÇADOS 20 (57), 2006
sas pequenas empresas faliram por falta de mão-de-obra e porque a maioria dos
empregados tinha uma idade média alta, na faixa dos quarenta a cinqüenta anos.
Não conseguindo atrair os empregados japoneses, as pequenas empresas começaram
a contar com os trabalhadores estrangeiros que aceitassem trabalhar.
Houve então um grande crescimento de residentes estrangeiros ilegais. A
maioria era proveniente dos países asiáticos, como Coréia do Sul, China, Bangladesh,
Filipinas, Paquistão e Tailândia. Em geral, esses migrantes ilegais eram
homens que se dirigiam aos setores de construção e manufatureiro, e grande parte
das mulheres imigrantes ilegais apreendidas era empregada como bar hostesses e
entertainers recrutadas pela “indústria do sexo” (Morita & Sassen, 1994, p.154).
Diante desses números de ilegais, houve a reforma da Lei de Controle
da Imigração do Japão, promulgada em junho de 1990, implementando uma
política imigratória mais restritiva, incluindo sanções aos empregadores de trabalhadores
estrangeiros ilegais, assim como aos intermediários ou contratadores
que sempre recrutaram trabalhadores para as firmas japonesas. Apesar de todo
esse esforço, na prática, poucos empregadores foram penalizados por violação
à nova Lei de Imigração (Cornelius, 1995). Diante da implementação de uma
política imigratória mais restritiva, e uma vez que o mercado japonês estava
tendo sérios problemas com a falta de mão-de-obra em setores de manufatura,
esses empregadores – não apenas de firmas pequenas, mas também das grandes
empresas – substituíram gradualmente os trabalhadores ilegais por trabalhadores
descendentes de japoneses provenientes da América do Sul (Yamanaka, 1996;
Komai, 1992, apud Morita & Sassen, 1994, p.162), principalmente brasileiros
e peruanos. Segundo Cornelius (1995, p.396), a política de oportunidades de
imigração facilitada para os nikkeijins da América Latina4 é vista pelas autoridades
japonesas como um meio, politicamente de baixo custo, de ajudar a resolver
a falta de mão-de-obra, com a vantagem adicional de que os imigrantes com ancestralidade
japonesa não são vistos a perturbar a homogeneidade étnica mítica
do país.
Dessa maneira, os migrantes nipo-brasileiros de até a terceira geração (netos
de japoneses) têm um acesso facilitado, dada a sua origem étnica, nacional e
sua correspondente consangüinidade, com a possibilidade de exercer atividades
remuneradas no Japão sem restrições de renovar o visto e de vir a ser residentes
permanentes.
A presença brasileira começou então a se institucionalizar e se consolidar
no Japão, principalmente a partir dos meados dos anos 1990, entrando em cena
novos ou certos atores sociais, como os candidatos a trabalhadores migrantes, as
pequenas empresas japonesas demandando mão-de-obra estrangeira e os agentes
intermediários.
Intermediários
Esses agentes intermediários de recrutamento não são apenas as lojas de
turismo que vendem passagens aéreas, mas também podem ser alguns agenciaESTUDOS
AVANÇADOS 20 (57), 2006 107
dores informais que ganham comissão ou quantia em dinheiro para recrutar
e enviar ao Japão trabalhadores migrantes. Em geral, essas pessoas têm forte
vínculo com a comunidade japonesa no Brasil e são ligadas às empreiteiras de
mão-de-obra no Japão, ou mesmo às próprias empresas que demandam trabalhadores.
Na maior parte das vezes, quando uma fábrica precisa de trabalhadores,
a empreiteira – uma firma que oferece serviço terceirizado de recursos
humanos – é acionada e envia as propostas à agência brasileira, que, por sua vez,
recruta os candidatos a trabalhadores migrantes, de acordo com os requisitos
dos empregadores.
Isso, entretanto, não descarta a participação dos familiares e dos conhecidos
nesse empreendimento, pois, mesmo aqueles(as) que não migram de fato, isto é,
aqueles(as) que permanecem na origem, também participam do processo migratório
– por exemplo, cuidando da casa e da família, administrando as remessas de
dinheiro enviadas, rearranjando a organização do domicílio, articulando novas
e velhas relações. Se na origem os migrantes contam com a ajuda financeira de
parentes, no destino, esses também têm um papel significativo. São importantes
para fornecer “ajuda” como hospedagem e para cuidar de crianças, embora a participação
dos agentes intermediários ou recrutadores seja ainda bastante marcante
no processo migratório de brasileiros ao Japão. As agências de recrutamentos
legais e ilegais têm determinado os destinos, ocupações e a moradia, embora os
migrantes possam escolher onde trabalhar antes de partir ao Japão.
Provavelmente, essas agências começaram a surgir no final da década de
1980, quando alguns da primeira geração de migrantes brasileiros no Japão possivelmente
tornaram-se intermediários – nas tarefas corriqueiras de providenciar
vistos, documentos relativos a contratos, moradias etc. – a partir do know-how
adquirido com suas próprias experiências como trabalhadores migrantes. Assim,
os imigrantes mais antigos ou experientes passaram a ter outras ocupações,
como de intermediação, recrutando novos migrantes. Podemos dizer, então,
grosso modo, que muitos intermediários de hoje foram os migrantes experientes
de ontem. Esse quadro não é exclusivo dos brasileiros no Japão, sendo recorrente
nos diversos fluxos migratórios, internacional ou interno, com diversas
nacionalidades e períodos.
Antes de realizar a pesquisa de campo no Brasil e no Japão, uma das minhas
hipóteses iniciais era de que, ao longo do processo migratório, os agentes
intermediários de recrutamento de trabalhadores migrantes brasileiros iriam
perdendo sua força e importância, à medida que contassem com apoio e ajuda
de seus parentes, familiares e amigos para o empreendimento migratório. Mas,
na pesquisa de campo realizada na cidade de Maringá (PR),5 os resultados preliminares
indicaram que cerca de 70% dos nipo-brasileiros de Maringá vão ao
Japão por intermédio de uma agência de viagens e de recrutamento. A despeito
disso, os maringaenses vão para diversas cidades de destino no Japão, não
se concentrando em nenhuma região específica (onde pudessem ter parentes e
amigos já estabelecidos), mas sim onde estão os empregos.
108 ESTUDOS AVANÇADOS 20 (57), 2006
Institucionalização da presença brasileira no Japão
Concomitantemente, com o intuito de amparar os trabalhadores migrantes,
também começaram a surgir centros de atendimento, informação, orientação
e apoio aos trabalhadores migrantes, de iniciativa governamental, municipal e de
vários grupos de voluntários sem fins lucrativos. Um exemplo disso é o Centro
de Informação e Apoio ao Trabalhador no Exterior (Ciate), criado em São Paulo
(Brasil). De acordo com Ricardo Sasaki (2002, p.254-5), esse Centro
fornece informações e orientações sobre ofertas de emprego no Japão; a cultura,
os usos e costumes, e a vida cotidiana no Japão; legislação trabalhista japonesa;
assessoria jurídica; sistema educacional no Japão; seguro social (saúde, aposentadoria,
desemprego, acidentes de trabalho) japonês; restituição de aposentadoria
e solicitação de pensão; imposto de renda (bitributação) e demais tributos
no Japão.
No Japão, há mais de seiscentas entidades similares, principalmente onde
há significativa presença de brasileiros, assim como estrangeiros de outras nacionalidades
na condição de trabalhador migrante. Em geral, essas entidades
podem estar vinculadas à prefeitura local, às associações civis, regionais e locais,
grupos voluntários que oferecem informações e orientações de diversas naturezas
– trabalhista, jurídica, educacional, cultural, social, ensino de língua, cotidiana
(como coleta de lixo) etc.
Na sociedade receptora, começaram a surgir notícias de restaurantes e
lojas de produtos brasileiros atendendo o público consumidor especialmente
brasileiro (Kawamura, 2003). São pequenos negócios de brasileiros para brasileiros.
A imprensa étnica voltada para os nipo-brasileiros no Japão, como jornais
e revistas em língua portuguesa, passaram a aparecer, com distribuição nos dois
países, como os jornais International Press, Jornal Tudo Bem, Nova Visão, Folha
Mundial (Ishi, 2003). Sob diferentes aspectos, portanto, desencadeou-se um
processo de institucionalização do movimento de deslocamento entre Brasil e
Japão, compondo e consolidando redes migratórias cada vez mais complexas.
A década de 1990 começou a registrar o aumento no volume de migrantes
com várias idas e vindas entre o Japão e o Brasil, sendo facilitadas ainda mais pelo
visto de reentrada no Japão (promulgada na Reforma de 1990), dispensando
os trâmites burocráticos. Muitos retornavam ao Brasil apenas por alguns meses
para “férias” do trabalho, com passagem marcada para o Japão e continuar no
mesmo emprego.
Acompanhando o fluxo do movimento migratório desse contingente, notamos
uma mudança no perfil dos brasileiros no Japão: gerações mais avançadas
(segunda [nissei] e terceira [sansei]); proporção sexual relativamente equiparada;
faixa etária mais jovem; sem o domínio da língua (dada a grande presença de
brasileiros no Japão, diminui a necessidade de os novos migrantes saberem falar
a língua japonesa); mais solteiros e recém-casados (casados há pouco tempo ou
com filhos pequenos e/ou dependentes) entre os brasileiros no Japão (não significando
necessariamente apenas esses, isto é, casando-se também com cônjuges
ESTUDOS AVANÇADOS 20 (57), 2006 109
japoneses); caráter mais familiar do que individual; aumento na duração da estada
dos brasileiros no Japão; presença de pessoas de origem não-nipônica entre
os cônjuges dos descendentes de japoneses que têm direitos estendidos, isto é,
aqueles que não têm ancestralidade japonesa passam a ter os mesmos direitos que
os cônjuges de origem nipônica e são igualmente classificados como nikkeijin.
As cidades onde mais se concentram brasileiros são Hamamatsu (Shizuoka),
onde, em 2000, havia mais de onze mil brasileiros e, em 2004, aumentou para
13,8 mil (Japan Immigration Association, 2005). As quatro cidades seguintes são Foto Agência Reuters/Kimimasa Mayama -
26.6.2002
Semifinal da Copa de 2002: Brasil x Turquia, no estádio da Província de Saitama, no Japão.
110 ESTUDOS AVANÇADOS 20 (57), 2006
todas da província de Aichi – Toyohashi, Toyota, Nagoya e Okazaki –, onde predominam
a indústria automobilística e as firmas subcontratadas que alimentam
a produção em cadeia desse setor nessa região. É também onde se encontra a
preocupação por parte do governo local em promover uma política de integração
dos estrangeiros para a vida comunitária local ou regional. Os brasileiros
se encontram concentrados na região central do Japão, como Aichi, Shizuoka,
Kanagawa, Saitama e Gunma, onde, juntas, abrigam mais da metade de toda a
população brasileira presente no Japão.
Mas eles também se encontram em diversas outras localidades. Isso deve estar
relacionado com o fato de haver empregos em outros setores, como o de serviços,
alimentícios (frigoríficos, supermercados, panificação, marmitas etc.). Nesse
sentido, podemos dizer que, embora os brasileiros ainda sejam alocados principalmente
no setor manufatureiro (automobilístico, eletrônicos etc.), ao longo do
tempo eles têm ocupado empregos nos outros setores citados. Pode-se dizer que
Foto Folha Imagem/Marcio Aith - 5.1.1999
Imigrantes brasileiros
no Japão enviam
dinheiro para o país
através de agência
do Banco do Brasil,
em Tóquio.
ESTUDOS AVANÇADOS 20 (57), 2006 111
o seu deslocamento geográfico está muito mais ligado à mudança de emprego
e/ou melhor salário do que a outros motivos – por exemplo, reunião familiar – e
que, por sua vez, está nas mãos das empreiteiras às quais estão vinculados.
Nagano é uma das províncias que chamam atenção no que se refere à
presença brasileira crescente em seu território. Se em 1994 Nagano foi a sétima
província que mais recebeu brasileiros, com pouco mais de 6,5 mil, ao longo
dos anos 1990, ela foi recebendo cada vez mais brasileiro, e em 1998 ela passou
a ser a terceira província com maior presença brasileira (com 14.670), depois de
Aichi (quase 41 mil) e Shizuoka (mais de 31 mil) (Japan Immigration Association,
2005). A partir desse ano, Nagano permanece como a terceira província
com mais brasileiros. Isso se deve ao fato de que nessa região há indústrias de
componentes eletrônicos, que também passaram a contar com a mão-de-obra
estrangeira na sua produção. Já em Aichi e Shizuoka, encontram-se as indústrias
manufatureiras, sobretudo do setor automobilístico.
Moradia, educação dos filhos de brasileiros migrantes6 e saúde7 são alguns
dos assuntos que têm sido alvo de atenção. Comparando com o governo central,
os governos locais têm inovado suas políticas para acomodar os residentes
estrangeiros. Nesse sentido, muitos governos locais têm instaurado assembléia
para os cidadãos estrangeiros ou reuniões similares nos últimos anos (Ikegami,
2001; Pak, 2001). Essas respostas administrativas em âmbito local também refletem
uma velha reivindicação por parte dos coreanos que buscam ser reconhecidos
como membros da comunidade local sem considerar sua nacionalidade.
“A volta dos que não foram”
Muitas vezes, esse recente fluxo de brasileiros ao Japão é tratado como
uma “migração de retorno” (Koyama, 1998; Tsuda, 1999, 2000a, 2000b, 2003;
Yamanaka, 1996, 1997). Entretanto, a experiência migratória dos brasileiros que
estão indo para o Japão nas últimas décadas do século XX é diferente da dos
japoneses que imigraram para o Brasil no início do mesmo século. Sim, eles
são descendentes dos imigrantes japoneses, mas o contexto é bastante distinto.
Poderíamos dizer que seria “a volta dos que não foram”, pois, embora os brasileiros
que migram para o Japão sejam descendentes de imigrantes japoneses
que no início do século XX vieram para o Brasil, muitos deles, entretanto, nunca
estiveram antes na Terra do Sol nascente. Como poderiam então retornar de
onde nunca partiram?
Se pensarmos em relação a uma ideologia adotada pelo governo japonês,
aí, sim, o uso desse termo é bastante justificável, e de fato bastante explorado
para atender aos seus valores ideológicos conservadores. É uma população que
atende às necessidades raciais e ideológicas do governo japonês e, ao mesmo
tempo, atende às demandas do mercado de trabalho por mão-de-obra barata
e não-qualificada. É uma população que ainda não causa problemas, mas não
seria de admirar se num futuro próximo a conveniência tenha sua validade vencida
e ter que ser novamente rearticulada. Mas, para qualificar a migração como
112 ESTUDOS AVANÇADOS 20 (57), 2006
de “retorno”, é preciso atentar às implicações de seu uso. O problema não é
utilizar o termo, mas, sim, ter clareza ou ter consciência dos fatores que estão
por trás. Por exemplo, a manipulação ideológica do governo japonês em nome
da identidade nacional nipônica que se pode notar em várias dimensões da vida
social. Enfim, são circunstâncias que impõem a rediscussão de paradigmas de
identidade e referenciais étnicos, especialmente na sociedade japonesa.
No Japão, o requisito burocrático fundamental para exercer atividades remuneradas
de trabalho é ter “origem japonesa”, como vimos anteriormente.
Esses migrantes brasileiros de que falamos se enquadram nessa categoria de nikkeijin
(descendentes de japoneses), embora sejam classificados nas atividades
cotidianas como “estrangeiros”, ao lado de outros grupos populacionais como
coreanos, chineses e filipinos, que, por sua vez, têm outros históricos de inserção
na sociedade receptora. Além disso, o brasileiro é classificado como um trabalhador
migrante de baixa qualificação e o seu trânsito na estrutura ocupacional
japonesa é bastante restrito. A ascendência nipônica é um quesito importante
para fins burocráticos – como obtenção de visto de entrada – e ideológicos japoneses,
mas, na vida cotidiana, mergulha numa outra dimensão de relações com
diversas alteridades.
Ambigüidade é o signo que marca o período em que o Japão experimenta
neste início do terceiro milênio o gosto da pós-modernidade, com excesso de
informações e de velocidade, nesse processo de internacionalização. A presença
de estrangeiros num país em que ainda vigora a idéia de uma homogeneidade
mítica de seu povo obriga a repensar sobre a sua própria sociedade. A imagem
refletida no espelho distorcido nem sempre é eloqüente, fácil de se olhar. Receber
em seu país aqueles nikkeijin – que não era bem assim que tinha imaginado
antes do encontro (com seus colegas japoneses) no chão de fábrica – mas com a
cara e o documento que atestam a consangüinidade e que dizem ser os descendentes
de origem japoneses residentes no exterior – faz voltar a atenção à sua
própria história e à história da sua relação com o Brasil ao longo do século XX. O
que se transformou ao longo desse tempo entre esses dois espaços? Não dá para
esperar que sejam a mesma coisa. Enquanto as pessoas experimentam o deslocamento
espacial, social, cultural e simbólico, a percepção do tempo mudou drasticamente,
se compararmos o início e o fim do século XX. É a tal da compressão
do tempo e do espaço (Harvey, 1993). Há, quando não deveria haver, surpresa
em colocar lado a lado o japonês imigrante no Brasil do início do século XX e
o japonês receptor de brasileiros no Japão no final do mesmo século. Enquanto
isso, os brasileiros descendentes de japoneses transitam entre esses dois espaços
geográficos, sociais, culturais e simbólicos.
Fotos:
BY:
Barbara